segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

L'incompreso




Garotos não amados sempre acabam no cinema.



O pai era cientista. Ele, voyeur. Um herdou do outro a dependência doentia da câmera, a impressão de que o mundo só pode ser processado através desta, seja com a finalidade de investigação, de mera observação, ou de produção cinematográfica, transformando os três objetos finais em um objetivo único (a imagem, o registro). A câmera (ou o gravador) funciona como o próprio sistema nervoso e sensorial – instrumento (poderia até falar em organismo, mas parece-me mais um apêndice do que um ser livre) pelo qual se absorve um estímulo visual/sonoro e o transforma em um contraestímulo do sujeito-assassino/espectador-vítima. A câmera precisa de um operador; o espelho, inerte e sem tal premência, não poderia fazer isso: a imagem, quando refletida, deforma-se.

Realizar um filme é como cometer um crime, necessita-se técnica, foco, medidas, luz e som. O ato nunca é filmado: o assassino está sempre no extracampo, as vítimas, meticulosamente enquadradas. Nunca é sobre o ato, e sim sobre as reações, sobre a criação, sobre intenções.

A sensação de desconforto que o filme provoca deriva, além da exploração do medo - não do medo em si, mas da expressão do medo como elemento catalisador do suspense - da transformação do ficcional no aparentemente real: “Estou fazendo um documentário”, o mesmo que “Estou a fazer um filme (ficção)”. Captar a exata expressão do medo, o mesmo que retirar de uma atriz um desmaio convincente.