segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

L'incompreso




Garotos não amados sempre acabam no cinema.



O pai era cientista. Ele, voyeur. Um herdou do outro a dependência doentia da câmera, a impressão de que o mundo só pode ser processado através desta, seja com a finalidade de investigação, de mera observação, ou de produção cinematográfica, transformando os três objetos finais em um objetivo único (a imagem, o registro). A câmera (ou o gravador) funciona como o próprio sistema nervoso e sensorial – instrumento (poderia até falar em organismo, mas parece-me mais um apêndice do que um ser livre) pelo qual se absorve um estímulo visual/sonoro e o transforma em um contraestímulo do sujeito-assassino/espectador-vítima. A câmera precisa de um operador; o espelho, inerte e sem tal premência, não poderia fazer isso: a imagem, quando refletida, deforma-se.

Realizar um filme é como cometer um crime, necessita-se técnica, foco, medidas, luz e som. O ato nunca é filmado: o assassino está sempre no extracampo, as vítimas, meticulosamente enquadradas. Nunca é sobre o ato, e sim sobre as reações, sobre a criação, sobre intenções.

A sensação de desconforto que o filme provoca deriva, além da exploração do medo - não do medo em si, mas da expressão do medo como elemento catalisador do suspense - da transformação do ficcional no aparentemente real: “Estou fazendo um documentário”, o mesmo que “Estou a fazer um filme (ficção)”. Captar a exata expressão do medo, o mesmo que retirar de uma atriz um desmaio convincente.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A biografia do universo

Não me parece um filme, é algo além. Uma espécie de memórias póstumas; uma epifania coletiva de 138 minutos; uma obra-prima do audiovisual. O fim de uma espécie - de todas - precisaria de um legado: Malick acabou de realizá-lo - alça-se à categoria de entidade superior – criador da Palavra – e torna qualquer substantivo, próprio.

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Da união entre um Deus que segue o caminho da Natureza, e de uma Natureza que segue o caminho da Graça (a Graça Divina) – entidades, assim, interdependentes, surge a Vida; dentro deste vasto espectro, a Humanidade, antropocentrismos à parte, é retratada. Observa-se, neste processo, a criação de um microcosmo/parte (Universo → Sistema Solar → Terra → Vida → Humanidade (Espécie) → Indivíduo) que explica o todo, pela sua indissociabilidade – poderíamos trocar o símbolo ‘→’ pelo ‘↔’.

Tal Humanidade é retratada sob uma óptica infantil, o indivíduo que tenta iniciar a sua vida, dividido entre a bondade acima de quaisquer limites (=disciplina, obediência) da Mãe, e os limites acima de qualquer bondade do Pai - e aqui não se deve fazer distinções, porque ambas as condutas derivam do mesmo Amor pela criatura (a única distinção possível recai sobre a reação da criatura – filho – ao tratamento imposto). Entretanto, apesar da proteção oferecida pelos seus progenitores, a criatura se depara, invariavelmente, com situações alheias à vontade deles, ao seu escopo de ação, acidentes: o incêndio, o afogamento, a perda do emprego, a morte do irmão.

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Toda a sua carga emocional possui como esqueleto dois pontos específicos: o peso do passado (o realizador situa-se em um futuro deslocado do tempo), um passado de proporções éonicas, que leva em consideração a experiência de todos os nossos ancestrais, do tempo necessário para a nossa chegada, presença/participação, até uma partida antecipada, a partir da formação do universo; e da dor como confirmação da existência.

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O presente do filme, algo mais similar à nossa realidade, é mostrado rapidamente, um espaço-tempo desabitado, espécie de limbo ao qual o personagem de Sean Penn encontra-se temporariamente preso, de onde traz suas recordações à tona.

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A última parte do filme situa-se neste futuro, não só pós-vida, mas também pós-mundo, estruturado não pela realidade, mas por traços mnésicos/sentimentais (os irmãos são apresentados ainda jovens, Pai e Mãe não envelheceram – e nunca poderiam, devido a seu simbolismo), ratificando o material anteriormente apresentado. Neste pós-tudo, que, ao contrário de ressurreição, é apenas prolongamento da morte (nada ali remete à vida; sendo assim, preferi o termo pós-vida ao pós-morte), há espaço apenas para a Paz de espírito, proporcionado pelo reencontro com os seus.

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Um diretor que sempre se pautou em grandes elipses, monta o filme parecendo querer suprimi-las - APESAR E PELO FATO do objeto tentar abarcar alguns bilhões de anos – não sendo possível aqui se referir a elas como elemento de formação da obra (só há uma grande elipse evidente, supracitada: infância – presente – pós-vida), pois busca-se o conceito da unidade – metafísica e material. Ao confundir ser e espaço, insere a história do universo dentro daquele que viveu aquilo tudo, cada um de nós, todos nós.


domingo, 7 de agosto de 2011

sexta-feira, 5 de agosto de 2011








Olhe o Jean-Marie Straub. Não o admiro por passar fome. Admiro-o porque faz cinema e porque para fazer o cinema que faz tem de suportar a guerra que a Alemanha lhe declarou. O público alemão que, aliás, ele considera o melhor da Europa, vinga-se na quotidiana côdea do cineasta que, imperturbável (até quando?), continua a massacrá-lo comos seus filmes. O mais extraordinário é que a firmeza moral de Straub não se aparenta em nada com um romântico suicídio aos pés da barriguda Besta bávara! O menos que se pode aventar é que o conflito, que exclui todas as possibilidades de reconciliação (nicht versohnt), é de prognóstico assaz duvidoso. Uma coisa, porém, é certa: cada filme que o Straub consegue fazer, rompendo a barreira económica que o sistema lhe impõe, é uma vitória do chamado bloco aliado do cinema, e se eu não acreditasse que a Alemanha vai perder a guerra refugiava-me num país onde nunca ninguém tivesse ouvido falar do flagelo cinematográfico. A par disto, como sei que não chego a netos, vou tentar reconciliar-me com a morte.





sábado, 16 de julho de 2011

segunda-feira, 11 de julho de 2011



Quatro personagens deslocados no tempo: a mulher que vai de Taiwan à Paris, e não consegue dormir pela noite, devido à diferença de fuso; o vendedor de relógios, que ao vender o seu para a mulher, cria certa mania de ajustar os relógios ao horário da capital francesa; sua mãe, que tenta adaptar-se ao tempo do marido, morto (o tempo suspenso); e a do próprio autor, que, apaixonado pelo cinema de Truffaut, busca este encontro, materialmente impossível, através do filme (exatamente em um cemitério - onde as coisas tornam-se imutáveis -, que tal encontro ocorre). Todos presos a um tempo virtual, não-próprio, o tempo dos outros. Ming-Liang prova que, pelo menos no cinema, é impossível definir com certeza as quatro dimensões de um evento, e dá vida novamente a seus mortos.

terça-feira, 5 de julho de 2011



A luta solitária, a corrupção como negação da ação - filme de bastidores -, o lento processo de desmoronamento. A confusão entre disfarce e desgaste. A ruína como troféu.


quinta-feira, 16 de junho de 2011

terça-feira, 7 de junho de 2011

Tentativa de voltar a escrever nº 1



1. Guerra: Fica evidente que, em se tratando de história da civilização, não há momentos de paz. O filme se inicia em guerra, não se conclui. Do que recordo, um par de diálogos deixam isso bem explícito: a afirmativa de 'que quando sairmos desse período, as coisas irão mudar' - como se não estivessem sempre nesse estado -, proferida num certo tom de dúvida, esperança perdida; e o seu diálogo final.
2. Sexo: A representação do feminino como refém do masculino, seja pela sedução (a inversão do Éden), pela necessidade, pela inocência. Cinco mulheres marcadas não pela suposta traição à pátria, mas por se deixarem levar, a todo momento, pelo feminino; o estigma não é conseqüência do amor proibido, é a própria condição mulher. A condição masculina, por sua vez, é a opressão, enquanto refém de outra - sua própria invenção - a guerra.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Matar ou morrer



A maneira mais fácil que encontrei para ver Matar ou morrer quando não mais o aturava (ali pela sua metade) foi considerá-lo como a sua própria canção-tema. Neste ponto, é importante diferenciar o uso da canção popular neste filme dos filmes de John Ford, por exemplo. No último, a música antecede o filme, e funciona como suporte para a reconstrução de um fenômeno cultural/histórico (o próprio western, como gênero, o é); no primeiro, ela nasce com o filme, transformando-se em seu duplo. Sendo assim, somos expostos a dois produtos (música e filme), simultaneamente, que, ao venderem a mesma idéia, confundem-se. É como se a ficção precisasse ser creditada, validada, como se não existisse independente e acima de qualquer suposição de verdade (como o cinema o é). Nesta inversão do processo, o filme acaba tornando-se veículo para a divulgação da sua música (como a propaganda ou o videoclipe o são).

O maior problema do filme, no entanto, é minar o seu grande trunfo (a tensão construída em torno da figura de Frank Miller, que só aparece em seus dez minutos finais) para explicitar o conflito covardia x coragem que o material insiste em promover grosseiramente, mas sob planos esteticamente agradáveis, de uma virtuose que lembra Leone.

A tensão só é restabelecida quando resolve-se fazer cinema novamente: o tempo, que antes se arrastava, para completamente, o xerife escreve seu testamento, rostos (o medo, a angústia, a indiferença, o sentimento de impotência) são mostrados como em um compêndio, interrompido bruscamente pelo apito do trem que parece rasgar a tela, anunciando o seu desfecho, inicialmente temido, mas com o tempo profundamente desejado.


domingo, 23 de janeiro de 2011

Fados


Não gosto da estrutura do filme. Lembra uma peça ruim de teatro, uma apresentação desinteressada, em Power Point, daquelas com fundo exagerado, ou um festival de colégio. É um panorama simples, sem interesse na imagem nem, o que é pior, no som. É pesquisa, não cinema, o que me leva a questionar a necessidade de se apresentar o material em formato fílmico.
O desfecho, um plano que mostra o set com o auxílio de uma grua, seria bem mais interessante se o filme não insistisse na idéia do estúdio, de homogeneizar o seu conteúdo. Saura faz questão de explicitar isso, mas tem medo de mostrar uma câmera, um microfone. Prefere esconder tudo atrás das apresentações baratas de dança que acabam, provavelmente sem tal intenção, por deixar o fado e seu intérprete (de fundamental importância) em plano de fundo. Parece que o fado atravessou o tempo e o espaço, mas o diretor preferiu ficar em casa.
No fim das contas, deixa a impressão de que tudo em um fado fica bonito, e tudo com o Toni Garrido fica ruim.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Mad Max



A pior cena de perseguição de carro. A pior cena de uma mulher tocando sax. Seguidas.

Aos quinze minutos, já queria desistir. Mas pelo menos tem belos planos da bunda de um young Mel Gibson. Deve ser por isso que o pessoal gosta tanto.

De resto, bobagem atrás de bobagem.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A questão coxinha


Por volta de 2005 ou 2006, uma das salas do Circuito Sala de Arte, em Salvador, ameaçou de fechar. No lugar, funcionaria a cozinha de uma delicatessen (a dona da melhor coxinha com Catupiry da cidade, que o diga a Veja Salvador). Comoção pública: “Céus, fecharam um cinema! E por dívidas! Cadê a intervenção do Estado? Não podemos deixar o capitalismo destruir a cultura!”. À época, o tal circuito (um grupo privado, diga-se) era composto de três salas: Bahiano, Museu Geológico, Cine XIV. Hoje, a Perini (delicatessen em questão) está devidamente instalada. A rede (de delicatessens) foi vendida, cresceu pouco, e piorou na qualidade. O grupo Sala de Arte, entretanto, abriu cinco novas salas. E aí vem a pergunta: e a qualidade dos filmes? A mesma, talvez pior. De lá pra cá, o “mito do filme europeu” cresceu, e muito. Junto, veio a projeção digital, a “democratização” (leia-se: redução de custos, destruição da imagem) de filmes com poucas cópias*.

A história se repete em São Paulo. O fetiche não tá só na fotografia “Walter Carvalho”, passou ao espaço físico. Sala e programação parecem ter se fundido em um processo desejado pelas classes mais altas de que a segregação social chegue ao cinema (já chegou).

E eu que vou ficar parecendo o reacionário. O engraçado é que esse pessoal é provavelmente o mesmo que vem reclamar de editais de cultura: “Gastar dinheiro com um filme que ninguém vai ver? Disparate!”.

“É projeção digital? Foda-se, é europeu, é de qualidade”. Nas entrelinhas, lê-se bem fácil “Onde irei comer meu croissant e tomar meu cappuccino antes de uma sessão vazia?”. Eu ainda prefiro que tenha mais um lugar vendendo minha coxinha do que um lugar exibindo os mesmos filmes, e ainda em janelas erradas e com imagem escura.

Minha coxinha piorou, e não encontro ninguém para fazer protesto, abraçar um frango ou qualquer coisa (não pegaria bem, é de um grupo privado, e nem é vegetariano). Ninguém tombou (deveriam, pergunte a qualquer baiano sobre a coxinha), mas coloquem um filme do Spielberg para passar em uma Sala de Arte que vocês verão a comoção.

* O cinema do MAM é o único que continua exibindo filmes em seu formato original.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011