terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A questão coxinha


Por volta de 2005 ou 2006, uma das salas do Circuito Sala de Arte, em Salvador, ameaçou de fechar. No lugar, funcionaria a cozinha de uma delicatessen (a dona da melhor coxinha com Catupiry da cidade, que o diga a Veja Salvador). Comoção pública: “Céus, fecharam um cinema! E por dívidas! Cadê a intervenção do Estado? Não podemos deixar o capitalismo destruir a cultura!”. À época, o tal circuito (um grupo privado, diga-se) era composto de três salas: Bahiano, Museu Geológico, Cine XIV. Hoje, a Perini (delicatessen em questão) está devidamente instalada. A rede (de delicatessens) foi vendida, cresceu pouco, e piorou na qualidade. O grupo Sala de Arte, entretanto, abriu cinco novas salas. E aí vem a pergunta: e a qualidade dos filmes? A mesma, talvez pior. De lá pra cá, o “mito do filme europeu” cresceu, e muito. Junto, veio a projeção digital, a “democratização” (leia-se: redução de custos, destruição da imagem) de filmes com poucas cópias*.

A história se repete em São Paulo. O fetiche não tá só na fotografia “Walter Carvalho”, passou ao espaço físico. Sala e programação parecem ter se fundido em um processo desejado pelas classes mais altas de que a segregação social chegue ao cinema (já chegou).

E eu que vou ficar parecendo o reacionário. O engraçado é que esse pessoal é provavelmente o mesmo que vem reclamar de editais de cultura: “Gastar dinheiro com um filme que ninguém vai ver? Disparate!”.

“É projeção digital? Foda-se, é europeu, é de qualidade”. Nas entrelinhas, lê-se bem fácil “Onde irei comer meu croissant e tomar meu cappuccino antes de uma sessão vazia?”. Eu ainda prefiro que tenha mais um lugar vendendo minha coxinha do que um lugar exibindo os mesmos filmes, e ainda em janelas erradas e com imagem escura.

Minha coxinha piorou, e não encontro ninguém para fazer protesto, abraçar um frango ou qualquer coisa (não pegaria bem, é de um grupo privado, e nem é vegetariano). Ninguém tombou (deveriam, pergunte a qualquer baiano sobre a coxinha), mas coloquem um filme do Spielberg para passar em uma Sala de Arte que vocês verão a comoção.

* O cinema do MAM é o único que continua exibindo filmes em seu formato original.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Gostei do texto, poucos cinéfilos perceberão que o texto inteiro é uma referência cinematográfica: Look who’s talking.

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  3. No pré devem ensinar que uma discussão se constrói com argumentos. O espaço de comentários é aberto com um propósito.

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