terça-feira, 16 de agosto de 2011

A biografia do universo

Não me parece um filme, é algo além. Uma espécie de memórias póstumas; uma epifania coletiva de 138 minutos; uma obra-prima do audiovisual. O fim de uma espécie - de todas - precisaria de um legado: Malick acabou de realizá-lo - alça-se à categoria de entidade superior – criador da Palavra – e torna qualquer substantivo, próprio.

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Da união entre um Deus que segue o caminho da Natureza, e de uma Natureza que segue o caminho da Graça (a Graça Divina) – entidades, assim, interdependentes, surge a Vida; dentro deste vasto espectro, a Humanidade, antropocentrismos à parte, é retratada. Observa-se, neste processo, a criação de um microcosmo/parte (Universo → Sistema Solar → Terra → Vida → Humanidade (Espécie) → Indivíduo) que explica o todo, pela sua indissociabilidade – poderíamos trocar o símbolo ‘→’ pelo ‘↔’.

Tal Humanidade é retratada sob uma óptica infantil, o indivíduo que tenta iniciar a sua vida, dividido entre a bondade acima de quaisquer limites (=disciplina, obediência) da Mãe, e os limites acima de qualquer bondade do Pai - e aqui não se deve fazer distinções, porque ambas as condutas derivam do mesmo Amor pela criatura (a única distinção possível recai sobre a reação da criatura – filho – ao tratamento imposto). Entretanto, apesar da proteção oferecida pelos seus progenitores, a criatura se depara, invariavelmente, com situações alheias à vontade deles, ao seu escopo de ação, acidentes: o incêndio, o afogamento, a perda do emprego, a morte do irmão.

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Toda a sua carga emocional possui como esqueleto dois pontos específicos: o peso do passado (o realizador situa-se em um futuro deslocado do tempo), um passado de proporções éonicas, que leva em consideração a experiência de todos os nossos ancestrais, do tempo necessário para a nossa chegada, presença/participação, até uma partida antecipada, a partir da formação do universo; e da dor como confirmação da existência.

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O presente do filme, algo mais similar à nossa realidade, é mostrado rapidamente, um espaço-tempo desabitado, espécie de limbo ao qual o personagem de Sean Penn encontra-se temporariamente preso, de onde traz suas recordações à tona.

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A última parte do filme situa-se neste futuro, não só pós-vida, mas também pós-mundo, estruturado não pela realidade, mas por traços mnésicos/sentimentais (os irmãos são apresentados ainda jovens, Pai e Mãe não envelheceram – e nunca poderiam, devido a seu simbolismo), ratificando o material anteriormente apresentado. Neste pós-tudo, que, ao contrário de ressurreição, é apenas prolongamento da morte (nada ali remete à vida; sendo assim, preferi o termo pós-vida ao pós-morte), há espaço apenas para a Paz de espírito, proporcionado pelo reencontro com os seus.

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Um diretor que sempre se pautou em grandes elipses, monta o filme parecendo querer suprimi-las - APESAR E PELO FATO do objeto tentar abarcar alguns bilhões de anos – não sendo possível aqui se referir a elas como elemento de formação da obra (só há uma grande elipse evidente, supracitada: infância – presente – pós-vida), pois busca-se o conceito da unidade – metafísica e material. Ao confundir ser e espaço, insere a história do universo dentro daquele que viveu aquilo tudo, cada um de nós, todos nós.


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